Os períodos negros da história não servem, em regra, de contraponto para sustentar situações actuais.
É raro ouvir alguém dizer:
-Não sejas bruxa! Se vivesses no tempo da inquisição a fogueira no Terreiro do Paço seria, certamente, a tua última morada.
Menos raro e mais preocupante, utilizando o mesmo tipo de argumentação que usa a falácia para atordoar os mais incautos, é ouvir:
-Trabalho precário? Por favor, tens sorte de não ir parar à guerra do Ultramar.
Saudosismos? Talvez…
Ultimamente tenho assistido a uma nostalgia do passado, ouvido estórias de jovens com ambições académicas que viviam em apartamentos modestos, onde o trabalho matava a fome e supria as dificuldades do dia-a-dia. Ficções à parte, o meu Alentejo profundo, as histórias dos MEUS fazem parte de um país diferente, triste, mergulhado na noite longa do Fascismo, na noite demasiado longa do Fascismo que durou quase meio século.
Parece que hoje temos que agradecer pelo facto de não cultivarmos a opressão, a repressão, o obscurantismo, o despotismo, a incultura, a miséria, o abandono, tudo o que afinal retira dignidade à condição humana. Mas agradecemos a quem? Nos dias que correm o melhor é agradecermos a todos para não ferirmos susceptibilidades.
Na história pátria, já longa de quase nove séculos, raras vezes, atrevo-me a dizer que apenas em 1383 e muito tempo depois em 1910, tal como em 1974, o Povo Português, tomou em mãos o seu próprio destino, abalou estruturas e transformou a sociedade.
Rompemos o isolamento a que havíamos sido votados pelo concerto das Nações Civilizadas, esconjurámos o “Orgulhosamente Sós”, estiolámos a trilogia dos três Fs (Fado, Futebol e Fátima), demo-nos ao mundo e encetámos uma vida nova. Passámos a ser respeitados nos areópagos internacionais. Estava tudo por fazer. O trabalho era ingente. A vontade inquebrantável. Um imperativo rapidamente se transformou em desígnio nacional, Democratizar, Descolonizar, Desenvolver (a trilogia dos três Ds, onde cabia o alfabeto todo).
Partidos políticos, liberdade de reunião e associação, liberdade de imprensa, eleições livres, direito à greve, igualdade de oportunidades, igualdade de direitos entre homens e mulheres (permitindo a estas, pela primeira vez, o exercício de diversos actos, cargos e funções), justiça social, direito constitucional à saúde, ao emprego, à habitação, fim da guerra colonial e devolução da dignidade aos povos por nós oprimidos, aumento da escolaridade obrigatória, reforma agrária, nacionalização de sectores estratégicos da economia nacional, segurança social (criação de lares, creches, infantários), poder local democrático, bens inquestionáveis que se querem perenes, por cuja salvaguarda devemos sempre bater-nos, na defesa intransigente das conquistas de Abril.
25 de Abril sufragado uma semana depois, no 1º de Maio por milhões de portugueses que em euforia e deslumbramento encheram as ruas e praças deste país, de Norte a Sul, glorificando o trabalho e os trabalhadores, abraçando a dignidade reconquistada e assumindo-se de corpo inteiro como agentes indispensáveis ao desenvolvimento Nacional e Colectivo. É esta liberdade reencontrada que se perde sem sentir. Temos que dar-lhe de novo o significado real que em Abril emergiu dos cravos e dos homens.
É urgente fazer de novo a REVOLUÇÃO, por favor não deixes que te roubem a liberdade!
“ (…) Levanta-te meu povo, não é tarde
Agora é que o mar canta é que o sol arde
Pois quando o povo acorda é sempre cedo.”
José Carlos Ary dos Santos